O Rapto de Perséfone

A história se passa logo após os deuses do Olimpo, liderados por Zeus, terem travado a famosa luta contra os Titãs, brigando pelo domínio do mundo. Quando os olimpianos finalmente conseguiram vencer os Titãs, lançando-os ao Tártaro, um novo inimigo ergueu-se contra eles: os gigantes Tifon, Briareu, Encélado e companhia. Alguns tinham cem braços, outros respiravam fogo. Afinal, foram vencidos pelos deuses e enterrados vivos no Monte Etna, de onde até hoje lutam para escapar, sacudindo a ilha com os terremotos. Sua respiração de fogo sai através das montanhas e é o que os humanos chamam de erupção vulcânica. 

Zeus contra o gigante Tífon

A queda dos gigantes abalou de tal modo a terra que alarmou Hades, o deus do submundo, e o deixou receoso de que seu reino pudesse ser aberto à luz do sol. Apreensivo, montou em seu carro puxado por cavalos negros e viajou pela terra, a fim de avaliar a extensão dos danos. 

Porém, o sombrio monarca não passou desapercebido por Afrodite, que brincava com seu filho Eros no Monte Erix e desejava aumentar seus domínios. Pediu a Eros para cravar uma seta em Hades. Por que só ele iria lhe escapar, se nem mesmo Zeus tinha esse privilégio? E, assim, Eros atendeu o pedido de sua mãe.

Há, no Vale de Ena, um lago escondido no bosque, que o protege dos ardentes raios do sol; o terreno úmido é coberto de flores e Primavera reina ali perpetuamente. Perséfone ali se encontrava, com suas companheiras, colhendo lírios e violetas, e enchendo com flores seu cesto e seu avental. Quando Hades a viu, apaixonou-se por ela e a raptou. Ela gritou, pedindo ajuda à mãe e às companheiras, e deixou cair o cesto e o avental cheio de flores. O raptor agitou os cavalos, chamando-os cada um pelo nome, e partiu depressa. Quando chegou ao Rio Cíano, e este se opôs à sua passagem, Hades feriu a margem do rio com seu tridente, a terra se abriu e deu-lhe passagem para o Tártaro. 

Prosérpina - Dante Gabriel Rossetti

Deméter, a deusa da terra fértil e da agricultura,  procurou pela filha por todo o mundo. Aurora, de louros cabelos, e Hespéria, a trazer as estrelas ao anoitecer, ainda a encontraram ocupada na procura. Deméter pssou de terra em terra, atravessando mares e rios, até voltar à Sicília, de onde partira, e ficou de pé à margem do Rio Cíano, onde Hades abrira uma passagem para os seus domínios. A ninfa do rio teria contado tudo o que testemunhara à deusa, não fosse o medo que tinha de Hades. Assim, apenas se aventurou a pegar a guirlanda que Perséfone deixara cair em sua fuga e fazê-la descer pela correnteza do rio, junto aos pés da deusa. Vendo-a, Deméter não teve mais dúvidas da perda da filha, mas ainda não conhecia a causa e lançou a culpa sobre a terra inocente.

- Ingrato solo, que tornei fértil e cobri de ervas e grãos nutritivos, não mais gozarás de meus favores! - exclamou.

Deméter, irmã de Zeus, também conhecida como Ceres em latim

Então o gado morreu, o arado quebrou-se no sulco, as sementes não mais germinaram. Houve sol e chuva em demasia. As aves roubaram as sementes. Somente medravam os cardos e sarças. Ao ver isto, a fonte Aretusa intercedeu pela terra:

- Não culpes a terra, deusa! - disse. - Ela se abriu de má vontade para dar passagem à sua filha. 

E contou a Deméter o que de fato acontecera. 

Ao ouvir o relato, a deusa ficou perplexa durante um momento. Depois virou seu carro para o céu e correu a apresentar-se diante do trono de Zeus. Contou a história de sua aflição e implorou a Jove que intercedesse, para conseguir a restituição de sua filha. Zeus consentiu, com uma condição: a de que Perséfone não tivesse tomado qualquer alimento durante sua permanência no mundo inferior; de outro modo as Parcas proibiam sua libertação. E, assim, Hermes foi mandado, acompanhado de Primavera, para pedir Perséfone a Hades. O ardiloso monarca consentiu, mas, infelizmente, a donzela aceitara uma romã que Hades lhe tinha oferecido e sugara o doce suco de algumas sementes. Isso foi o suficiente para impedir sua libertação completa. Fez-se um acordo, contudo, pelo qual Perséfone passaria metade do tempo com sua mãe e o restante com seu marido Hades. Deméter deu-se por satisfeita e, assim, restituiu à terra os seus favores.

***

E assim acontece todos os anos. Este mito é na verdade uma alegoria: o tempo em que Perséfone permanece no submundo, longe dos olhos de sua mãe, representa os meses de inverno, quando o trigo e as sementes não germinam e toda a paisagem é mais escassa e tristonha. Porém, quando Perséfone retorna à superfície, a alegria da deusa faz com que a terra volte a dar frutos, os grãos germinem e tudo floresça em esplendor. É a primavera!

Adaptado de
: BULFINCH,Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia

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