As Hamadríades



O termo "dríade" está etimologicamente ligado à palavra drýs, carvalho. O prefixo háma, por sua vez, quer dizer "com, ao mesmo tempo, simultaneamente". Então, uma hamadríade é "aquela que existe simultaneamente com o carvalho". De acordo com a Mitologia Grega, essas ninfas viviam dentro das árvores, das quais podiam emanar,  se quisessem, e eram suas guardiãs e protetoras. Diferentes das outras ninfas (Náiades, Oréades, Dríades e Nereidas), que eram imortais, esses seres nasciam junto com a árvore e partilhavam suas características, humor e destino. Caso a árvore fosse cortada ou morresse, a hamadríade também morria.

Árvore e ninfa, portanto, eram indissociáveis - inclusive no quesito físico. Uma hamadríade jamais poderia viver longe de sua árvore. Era vista frequentemente sentada em um galho, cantando ou conversando com os animais, ou, mais raramente, caminhando nos arredores. 

Mas atenção! Não se deve confundir as ninfas dríades com as hamadríades. As dríades são as ninfas dos bosques e das florestas de um modo geral. Diferentemente das hamadríades, não estão ligadas à uma árvore específica: são livres e são imortais. Gostavam de dançar, como todas as ninfas, e muitas vezes se reuniam em torno de um grande e venerável carvalho (ao qual seu nome também está ligado). Estes carvalhos, frequentemente, abrigavam uma hamadríade em seu interior.

Conta-se que o temperamento e a disposição das hamadríades variavam conforme os de suas protegidas. Ficavam em festa quando as chuvas de primavera embelezavam a floresta e se entristeciam profundamente quando as árvores perdiam as folhas no inverno. Embora fossem seres pacíficos e gentis, não perdoavam quem ameaçasse ou violasse a árvore à qual sua própria vida estava ligada, apelando frequentemente para a ira de heróis e divindades. Assim, no mundo antigo, não havia dúvida: destruir levianamente uma árvore era considerado um ato ímpio gravíssimo, sujeito à severa punição dos deuses.



Thomas Bulfinch, em O Livro de Ouro da Mitologia, relata-nos o destino planejado para Erisíchton, quando ele ousou cortar a árvore dentro da qual morava uma hamadríade. De acordo com a história, Erisíchton era um homem soberbo. Desprezava os deuses e tudo o que era sagrado. Quem conhece um pouquinho do temperamento dos imortais, sabe que não há nada que os deuses punam com mais rigor do que a hybris, a soberbia, a desmedida. Certo dia, Erisíchton deparou-se com um enorme e venerável carvalho em um bosque consagrado a Ceres. A árvore parecia, ela própria, toda uma floresta! Muitas vezes as dríades haviam dançado ao redor de seu tronco largo e velho. Erisíchton, insensível à beleza e majestade da árvore, ordenou a seus servos que cortassem-na sem piedade. Ao vê-los hesitantes, arrebatou-lhes o machado das mãos e disse: 

- A mim pouco interessa se essa árvore é dileta de Ceres! Fosse a árvore a própria deusa, eu a abateria se ela se interpusesse em meu caminho.

Deu, então, o primeiro golpe. A árvore estremeceu com o impacto, ouviu-se um gemido e da ferida jorrou uma substância viscosa parecida com... sangue. Todos ficaram horrorizados! Um dos presentes, alarmado, aventurou-se a censurar o criminoso e tentou impedi-lo de desferir o golpe seguinte, segurando o machado. Com um olhar de indiferença, Erisíchton replicou:

- Recebe a recompensa de tua piedade. 

Voltou então o machado na direção do homem e o privou da vida. 

Da árvore, de repente, emanou uma voz:

– Eu que moro nesta árvore sou uma ninfa amada de Ceres e, morrendo por tuas mãos, predigo que o castigo te aguarda.

Desdenhando o aviso, o cruel Erisíchton prosseguiu com seu propósito. Atingido com golpes sucessivos e puxado por cordas, o carvalho imenso finalmente cedeu e tombou, esmagando sob seu peso grande parte da floresta. 

As dríades, muito tristes com a morte de sua companheira e sentindo ultrajado o orgulho da floresta, dirigiram-se a Ceres, vestidas de luto, e pediram que Erisíchton fosse castigado. A deusa acedeu ao pedido e, ao curvar a cabeça, também se inclinaram todas as espigas maduras para a colheita. Imaginou um castigo tão cruel que despertaria piedade, se acaso tal malvado merecesse piedade: decidiu entregá-lo à Fome.

Como a Fome e a deusa da fertilidade não podem nunca dividir o mesmo espaço, habitando uma sempre muito distante da outra, a deusa enviou uma das dríades até os desolados e longínquos campos da Fome para entregar-lhe a ordem. Esta recebeu-a com muito prazer.

E assim foi que a Fome penetrou o corpo de Erisíchton, impedindo-o de sentir o mais ínfimo alívio de saciedade até que, desesperado, ele acabou por devorar a si mesmo.



Emile Jean Baptiste Philippe Bin (1825-1897)

Informação adicional:


O Banquete dos Sofistas, de Ateneu, menciona oito hamadríades que habitavam o monte Oitia, na Ftiótida. Segundo esta fonte, elas seriam filhas de Oxilo (o espírito dos bosques), por sua vez filho de Óreas (o deus das montanhas), com Hamadrias (aquela que é com o carvalho), sua irmã. Seus nomes eram:

  • Karya (nogueira, nome que abrange também a avelaneira e castanheira);
  • Balanos (fruto dos carvalhos);
  • Kraneia (corniso);
  • Morea (amoreira);
  • Aigeiros (choupo-negro);
  • Ptelea (olmo);
  • Ampelos (vinha, nome que abrange desde as videiras silvestres Vitis silvestris, passando pela briônia Bryonia creticus até a uva-de-cão Tamus communis);
  • Syke (figueira).

Apesar de sua etimologia estar associada a uma árvore específica, o carvalho, acredita-se que existiam hamadríades para todas as espécies de árvores. Eram como os espíritos dessas árvores, vivendo tanto dentro dos troncos como em suas proximidades - jamais afastando-se muito delas. Atualmente, pouco se ouve notícias dessas ninfas tão raras. Alguns especulam que, com a derrubada irrefreada e ambiciosa de árvores, as hamadríades encerraram definitivamente comunicações com os seres humanos, privando-nos de sua sabedoria.

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